segunda-feira, 17 de setembro de 2007

O Retorno da Cultura da Mulher



Sou um homem a escrever este artigo o qual, na verdade, seria bem melhor escrito se o fosse por uma mulher. Só resolvi aceitar o desafio na esperança de contribuir, mesmo que infimamente, com a aproximação entre nós, homens e mulheres, que há tantos séculos temos vivido em "universos paralelos", com crenças, valores e oportunidades tão diferentes.

Universos Paralelos?

Sim. A realidade é que não mais percebemos este fenômeno, pois nossa sensibilidade há muito tempo foi bloqueada pela cultura comportamental que um dia criamos, e agora nos cria. Não nascemos condicionados a este padrão. Aliás, percebi que praticamente tudo o que achamos que somos, não somos: apenas nos acostumamos a ser...
Lembro-me que, ainda menino, comecei a freqüentar as memoráveis reuniões dançantes da turma do colégio. Já naquela época, achava muito estranha aquela formação espontânea de uma rodinha de meninas num canto da sala e outra de meninos noutro canto. Perguntava-me: porque não estamos todos integrados numa só roda? Ou, pelo menos, mesclados de forma mais homogênea? Não demorou muito tempo para que eu percebesse que aquele comportamento estranho era apenas a repetição de um exemplo vindo das festas de família, nas quais homens se reuniam num canto com suas "conversas de homem" e mulheres no outro com seus "assuntos de mulher". Cresci assistindo a isso repetidas vezes até quase acreditar que este padrão de comportamento era o único possível e, portanto, o único moralmente correto.

Moral é Apenas Costume

Estava quase me resignando quando, aos 20 anos, o destino me trouxe uma oportunidade muito rara: comecei a estudar e praticar Yôga antigo. Para a minha sorte (e alívio!) esta linhagem de Yôga tem raízes na filosofia tântrica. Esta filosofia comportamental tem características matriarcais, sensoriais e desrepressoras. Assim, a turma que estuda e pratica esta tradição cultural, adota um comportamento muito saudável, principalmente no que diz respeito ao bom relacionamento interpessoal. A descoberta foi fabulosa, pois pela primeira vez na minha vida pude desfrutar da oportunidade de freqüentar cursos, eventos e festas onde homens e mulheres se relacionavam de forma mais integrada, franca e espontânea. Eu havia passado quase toda a adolescência estudando eletrônica em um colégio de padre, onde não havia nenhuma menina na minha turma (nem ao menos no mesmo turno!). Imagine qual foi a minha alegria pelo fato de poder finalmente ter amizades com o sexo feminino.
Comecei a vivenciar esta realidade em 1988 e, apesar de maravilhado, não nego que experimentei um certo choque cultural, pois além de ter vivido uma adolescência carente em amizades com o sexo oposto ainda havia o agravante mais profundo de ter nascido e sido educado em cultura gaúcha, a qual é declaradamente patriarcal.
Por sorte, tinha um Mestre de Yôga a me orientar desde o princípio dos meus estudos e assim, consegui administrar com facilidade esta abertura cultural. Muito inteligente e instigador, ele nos estimulava a ver a vida através de uma perspectiva mais ampla, sempre nos fazendo perceber o quanto estávamos limitados pelos nossos paradigmas culturais. Através de seus ensinamentos, finalmente compreendi que o que chamamos de moral[1] é apenas uma questão de costume. Aprendi que este tipo de comportamento integrativo era herança da cultura matriarcal e, que esta cultura comportamental foi oprimida por milênios de domínio do patriarcalismo.
O Mestre, então, visionava que este comportamento tântrico mais integrativo, proveniente de uma cultura matriarcal, iria ressurgir no III milênio.

A Visão Vira Realidade!

Quinze anos se passaram desde então e pude testemunhar esta visão se concretizando diante dos meus olhos. O mundo mecanicista e fragmentado de Descartes dá lugar a um mundo em integração, onde os muros estão caindo não apenas entre as fronteiras territoriais, mas também entre as fronteiras culturais. Assim, nestas últimas décadas, a ciência, a administração, a ecologia e outras áreas voltaram seu foco para o estudo das relações. “Tudo está interligado numa teia de relações...” se tornou o lugar-comum do pensamento atual.
Repentinamente, e de uma forma assombrosa, conceitos que há anos vínhamos estudando nos herméticos textos tântricos se encontram nas entrelinhas dos artigos de jornais e revistas populares, escritos pelas mais célebres mentes da atualidade para anunciar o surgimento deste novo mundo.
No mundo dos negócios, por exemplo, habilidades relacionais como a sensibilidade e o uso da intuição na tomada de decisões, atributos tipicamente femininos em contraposição à “mente fria e calculista" masculina, se tornaram os grandes diferenciais para o sucesso das chamadas equipes de alto desempenho, o que nos leva a supor que o conhecimento feminino venha a ser mais procurado e valorizado neste novo cenário.
Também é curioso notar que Tantra é uma palavra sânscrita que significa, entre outras acepções, teia e rede. Em inglês: web e net. Estas duas palavras se tornaram muito populares na atualidade com o surgimento e rápida expansão da internet: veículo de integração mundial que coloca povos de culturas, etnias, crenças e costumes diferentes em contato imediato, num mundo onde a informação tem mais valor do que as diferenças culturais. Mais uma vez, a tendência integrativa!
No campo da ecologia, também estamos acompanhando um ressurgimento da cultura matriarcal. Fritjof Capra, doutorado em física pela Universidade de Viena e teórico de sistemas, escreve em seu livro A teia da vida:
"Os ecofeministas vêem a dominação patriarcal de mulheres por homens como o protótipo de todas as formas de dominação e exploração: hierárquica, militarista, capitalista e industrialista. Eles mostram que a exploração da natureza, em particular, tem marchado de mãos dadas com a das mulheres, que têm sido identificadas com a natureza através dos séculos. Essa antiga associação entre mulher e natureza liga a história das mulheres com a história do meio ambiente, e é a fonte de um parentesco natural entre feminismo e ecologia. Conseqüentemente, os ecofeministas vêem o conhecimento vivencial feminino como uma das fontes principais de uma visão ecológica da realidade[2]”. (continua na próxima semana)

[1] Segundo o dicionário Houaiss eletrônico: que denota bons costumes, boa conduta, segundo os preceitos socialmente estabelecidos pela sociedade ou por determinado grupo social.
[2] Fritjof Capra, A teia da vida, pág. 27.
(Texto do Prof. Mallet)

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